Políticos sul-africanos atacam imigrantes para obter apoio popular

Refletindo a onda conservadora nos Estados Unidos e na Europa, autoridades sul-africanas adotam discurso xenófobo e culpam os estrangeiros pelo desemprego

Brian Alan, Cecília Ferreira, Matheus Lima e Rebeca Simão

Em julho de 2017, o vice-ministro de Segurança sul-africano, Bongani Mkongi, alarmou especialistas e a imprensa ao atacar imigrantes numa visita a cidade de Hillbrow, próxima a Joanesburgo. “Como uma cidade da África do Sul pode ser 80% estrangeira? Isso é perigoso. Os sul-africanos renderam sua própria cidade aos estrangeiros”, disse ele em discurso a policiais numa delegacia local. O pronunciamento de Mkongi repercutiu fortemente na mídia, refletindo o crescimento da xenofobia no país. Desde a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, o discurso contra imigrantes passou a ser cada vez mais explorado por políticos sul-africanos em busca de apoio popular. Com 50 milhões de habitantes, a África do Sul é o território mais rico do continente e acaba recebendo muitos imigrantes de países vizinhos, assolados por fome e guerras.

Para o diretor do Centro Africano de Migração e Sociedade da Wits University, em Joanesburgo, Loren Landau, a xenofobia sempre foi parte do discurso político, mas geralmente em nível local, em campanhas e encontros fora da imprensa nacional. Ele observa, no entanto, que as declarações xenófobas passaram agora a fazer parte dos níveis mais altos da política. “Percebo que isso acontece por dois motivos: um deles é que os políticos aprenderam que usar a xenofobia como um bode expiatório é uma estratégia efetiva para mobilizar a população. Em segundo lugar, a política partidária tornou-se repentinamente mais competitiva”, afirmou o especialista em entrevista por e-mail a “Olhares do Mundo”.

Usar os imigrantes como culpados dos problemas da população tornou-se uma tática recorrente. Em fevereiro de 2017, o prefeito da cidade de Joanesburgo, Herman Mashaba, acompanhou um grupo de policiais em uma invasão de um bairro com imigrantes prometendo livrar a cidade do crime e das pessoas que estavam ali ilegalmente. No mesmo mês, lojas de propriedade estrangeira na cidade de Pretória foram saqueadas. Em 2015, o rei zulu Goodwill Zwelitjini, disse que os estrangeiros deveriam fazer as malas e abandonar o país. Dias depois de sua declaração, dois cidadãos moçambicanos que moravam na África do Sul foram assassinados na cidade de Durban.

Segundo o professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Wits, David Dickinson, é mais importante olhar para o porquê de os políticos adotarem tais discursos. “A realidade é que existe uma xenofobia profunda e generalizada entre grandes setores da população. Alguns políticos estão respondendo a isso, enquanto outros tentam mais responsavelmente unir as pessoas. No entanto, a unidade política só é possível se as motivações da xenofobia forem abordadas”, afirmou em entrevista por e-mail.

Em um país com uma taxa de desemprego muito alta, cerca de 35%, um dos principais motivos de a população atacar os estrangeiros é a competição por trabalho, principalmente em áreas que exigem pouca qualificação. Segundo Dickinson, “há relativamente poucos sentimentos xenófobos em relação aos imigrantes altamente qualificados, porque é um país de habilidades baixas, e há muito menos concorrência por empregos altamente qualificados.”

A África do Sul sofre até hoje com as consequências do Apartheid, política racial implantada no país que mantinha todo o poder político e econômico nas mãos de uma minoria branca, enquanto à imensa maioria negra era obrigada a obedecer rigorosamente à legislação separatista.

Sharon Ekambaram, gerente do Programa de Direitos dos Refugiados e dos Migrantes da ONG Advogados por Direitos Humanos (Lawyers for Human Rights), observa que a África do Sul é uma das sociedades mais injustas do mundo. Políticas econômicas fracassadas aprofundaram o desemprego e resultaram no aumento da pobreza. “Os políticos culpam os estrangeiros por tirar o emprego da população”, lamenta. “Enquanto os estrangeiros continuarem a serem usados como peões políticos em uma corrida cada vez mais competitiva por votos, o sistema permanecerá disfuncional e deixará este grupo vulnerável da nossa sociedade de lado”.

O último senso realizado no país, em 2016, apontou a presença de aproximadamente 1,6 milhão de estrangeiros. Landau reconhece que o país não tem estrutura adequada para receber tantos imigrantes. “A África do Sul claramente não se preparou, institucionalmente ou politicamente, para lidar com os desafios da imigração. Isso inclui desemprego, urbanização, educação, entre outros. Porque é incapaz de suprir as necessidades de seus próprios cidadãos, pode-se dizer que o país está mal equipado para lidar com a presença de estrangeiros”, afirma.

Em relação às políticas públicas para imigração no país, o professor da Wits University as julga inconsistentes e incapazes de prover segurança econômica ou física para os sul-africanos. “Se há uma coisa que eu posso afirmar sobre a política da África do Sul é que ela é baseada em mitos e conceitos incorretos, ao invés de fatos”, lamenta.

Em junho deste ano, o Ministro dos Assuntos Internos da África do Sul divulgou um novo documento sobre Migração Internacional, o chamado “Green Paper”, que pretende ser uma estrutura política para discutir a questão. “Esta é a primeira vez que a política de migração foi revisada desde o final da década de 1990 e nós agradecemos a oportunidade de falar sobre questões de gerenciamento de migração”, aponta Sharon. Ela lamenta, no entanto, que as ações do Departamento de Assuntos Internos (DAI) têm deixado aqueles que procuram asilo em um limbo, com pouco acesso a serviços ou proteção. Ao olhar para os números do Green Paper, há mais de um milhão de pedidos de requerentes de asilo. Porém, quando se analisa o documento com mais profundidade, nota-se que, na verdade, há apenas 70 mil permissões ativas de candidatos à asilo, menos que 10% do arquivado nos livros do DAI. Segundo a advogada, esses números inflados foram mal utilizados para instalar o medo na opinião pública de que a África do Sul está sendo “invadida por estrangeiros”, enquanto números menores são utilizados para justificar a redução de serviços.

 

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