O grande desafio é levar educação a mulheres impedidas de estudar durante o regime fundamentalista do Talibã. Entre as oito milhões de crianças matriculadas em escolas do país, mais de 2,5 milhões são meninas.
Bárbara Ferlin, Camilla Aimeé, Carolina Alberti, Mayara Martins
Era um dia comum na vida da imigrante afegã Manizha Naderi. Ela estava andando pelas ruas de Nova Jersey, nos Estados Unidos, quando uma pessoa lhe entregou um folheto que divulgava o trabalho da Women For Afghan Womem – WAW (Mulheres pelas Mulheres Afegãs) uma pequena ONG americana que defendia os direitos das mulheres de seu país. Aquele simples folheto mudou a vida de Naderi e de muitas mulheres.
Naderi nasceu em Cabul, mas cresceu nos Estados Unidos, estudou em Nova York e estava morando em Nova Jersey quando se tornou voluntária da WAW, em 2003. Hoje, 13 anos depois, ela é diretora executiva da organização, que conta com mais de 700 membros e 30 centros em 13 províncias ao redor do Afeganistão.
A determinação de Naderi fez com que a WAW se tornasse a maior organização não-governamental do país. A ONG já ajudou 21 mil mulheres e crianças, alfabetizou cerca de 290 mil afegãos – de mulás (clérigos muçulmanos) a líderes governamentais – e, nos Estados Unidos, cuida de cerca de 4 mil refugiados.
Entretanto, fazer com que o trabalho funcione não é tão fácil. Mona Abu Rayyan, que trabalha na WAW, afirma que os maiores desafios de uma organização internacional são: segurança, financiamento e reposição membros. “Outro desafio que nós, constantemente, enfrentamos é a ignorância”, comentou a ativista em entrevista por e-mail.
Com a ascensão do governo Talibã, em 1994, as mulheres afegãs perderam o direito de estudar e passaram a ter tarefas exclusivamente relacionadas à casa e aos filhos. Porém, com a virada do século, um novo capítulo se iniciou na história do Afeganistão. A invasão americana ao em busca da Osama Bin Laden, após o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, culminou na queda do regime fundamentalista.
Apesar de alguns avanços registrados desde a saída dos talibãs, como a aprovação lei que elimina a discriminação contra a mulher, ainda há muito a ser feito. Segundo o Banco Mundial, em 2013, 28% das afegãs ocupavam cadeiras parlamentares (mais que no Brasil), mas o Afeganistão, apesar de possuir uma constituição que garante a igualdade de gênero, ocupa o 147º lugar no Índice de Desigualdade De Gênero da ONU, que avalia 208 países. Nove a cada dez mulheres sofrerem algum tipo de violência ou desrespeito aos Direitos Humanos.
ONGs como a WAW têm ajudado a reescrever a história do país e as mudanças já podem ser notadas na prática. Em 2002, havia uma estimativa de que apenas garotos frequentavam as escolas, aproximadamente, 900 mil, mas, hoje, há mais de 8 milhões de alunos matriculados em escolas no Afeganistão e, cerca de 2,5 milhões são meninas, de acordo com a USAID – uma agência governamental norte americana que ajuda outros países a desenvolverem seu potencial. A expectativa de vida das mulheres também cresceu, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Aumentou de 60 anos, em 2010, para 62 em 2015. “As mudanças são drásticas, mas não são veiculadas pela mídia fora do Afeganistão, que está mais focada na violência”, lamenta Lauryn Oates, da organização Canadian Women for Women in Afghanistan (Mulheres Canadense pelas Mulheres Afegãs).
A organização de Lauryn atua no Afeganistão educando mulheres sobre seus direitos e desenvolvendo ações para o empodeiramento feminino. “Você pode saber muito bem que seus direitos estão sendo violados, mas se não puder ler ou escrever, então há pouco que possa fazer para alterar esta situação”, afirma. Para ela, a partir do momento que as mulheres têm acesso à educação, elas se tornam capazes de realizar ações em diversos âmbitos, como mobilizações, campanhas, petições e até divulgações na mídia.
A Women for Women International – WfWI (Mulheres pelas Mulheres no Mundo) é outra organização que atua no Afeganistão. Desde 2002, a ONG desenvolve programas de conscientização sobre direitos, educação e inserção da mulher no planejamento da casa. O foco são mulheres marginalizadas sobreviventes de conflitos. A WfWI já ajudou 48 mil mulheres. “Antes do programa, meu marido não me deixava sair de casa para trabalhar ou estudar. Mas, agora que me juntei ao programa, aprendi o que fazer, e meu marido compreendeu os benefícios de eu trabalhar fora de casa”, relata uma das participantes do programa que prefere não ser identificada.
Mona, da ong WAW, observa que as afegãs já tiveram muito mais autonomia no passado, mas perderam seus direitos com a chegada dos fundamentalistas islâmicos do Talibã ao poder. “Nós, como mulheres mulçumanas e afegãs, somos vistas como dóceis, sem poder e fracas. Quando, na realidade, sempre fomos fortes matriarcas a participantes ativas da sociedade em que vivemos”, comenta. “O Afeganistão era considerado por muitos a Suíça da Ásia, mas isso mundo com os Talibãs”, diz Mona.
A ativista comenta que os fundamentalistas impuseram um reino de terror que não reflete o verdadeiro Afeganistão. “O Talibã é como um culto de extremistas medievais, que são muito ignorantes, sem educação escolar e que sofreram uma lavagem cerebral ideológica que tem pouco a ver com tudo o que sabemos e amamos no nosso mundo, inclusive nossa cultura e nossa religião”.
Segundo a ativista, há uma falsa percepção de que os direitos da mulher afegã têm sido negados porque elas vivem numa sociedade muçulmana. “Na verdade, as desigualdades estruturais que atuam contra as mulheres em nossa sociedade, em particular, e no mundo islâmico, em geral, tem pouca relação com o Islã”. Estão mais ligadas a praticas culturais e normativas que são inerentemente patriarcais e não tem lugar no Islã.