Espanha enfrenta racismo e xenofobia com a ascensão da extrema-direita

Partido Vox é acusado de incitar o ódio e apoiar ideias nazi-fascistas 

Por Diogo Loturco, Isabela Gonçalves e Otávio Lima

O ativista negro Guillermo Akapo, 34 anos, mora em Madrid desde 2000, quando chegou da Guiné Equatorial, aos 10 anos, com a família. Ele relata ter sofrido discriminação racial e dificuldade de encontrar emprego em uma Espanha cada vez mais refratária a imigrantes. “As abordagens policiais constantes sem motivo aparente, as olhadas de julgamento da sociedade, mesmo no trabalho. Posso dizer que, em todos os aspectos da minha vida, tive que enfrentar o racismo”, lamentou Akapo em entrevista a “Olhares do Mundo”. A trajetória do africano assemelha-se a de muitos imigrantes que chegaram à Espanha nas últimas décadas em busca de uma vida melhor.  “É um país com políticas migratórias questionáveis, que ainda não assume suas práticas racistas”, afirma o militante do grupo SOS Racismo Madrid.

Apesar das políticas de igualdade racial e de gênero promovidas pelo governo socialista, o nacionalismo e a xenofobia não recrudesceram. O surgimento do partido Vox, de extrema-direita, no final de 2013, acentuou o racismo e a rejeição aos imigrantes.  Desde sua criação, o Vox adotou postura contrária às políticas do estado liberal. O historiador brasileiro Fernando Sarti, autor do livro “Fascismo ontem e hoje”, observa que o Vox possui uma agenda clara:  destruição de direitos trabalhistas e sociais, regressão sobre os direitos reprodutivos das mulheres e, por fim, o grande bode expiatório do neofascismo, o combate ao imigrante, especialmente os islâmicos.  

Essas posições políticas alimentam um ambiente de intolerância e hostilidade, refletindo no aumento de agressões físicas. Desde 2013,  cerca de 280 mil homossexuais sofreram agressões, segundo o relatório Estado de Ódio 2023. O estudo também afirma que apenas 20% dos crimes de ódio são denunciados, comprometendo os valores de uma sociedade democrática e progressista.

Segundo dados da Federação SOS Racismo Madrid, as denúncias de ofensas raciais cresceram 30% entre 2013 e 2021. Mas, de acordo com pesquisas do instituto Cedre, 81,8% das vítimas deixam de prestar queixa. 

Um dos principais episódios de racismo na Espanha é o caso Vinícius Júnior. O jogador de futebol sofre, frequentemente, xingamentos e ameaças dentro e fora de campo. O presidente da liga espanhola de futebol La Liga, Javier Tebas, é apoiador do VOX e ex-participante de grupos fascistas. Além de não condenar os ataques, Tebas responsabiliza as comemorações em campo do brasileiro pela reação da torcida.

A Espanha tem o maior índice de desemprego entre os países da União Europeia: 12,29%, segundo o Relatório de Desemprego Espanhol, divulgado em abril. Esse fator leva a extrema-direita a condenar a contratação de imigrantes, que estariam, segundo os conservadores, roubando os empregos dos espanhóis. Nas últimas eleições gerais, no anos passado, o senador Alberto Núñez Feijóo, do Partido Popular, de direita, obteve a maioria dos votos, mas não conseguiu apoio no parlamento para formar o governo, que ficou com o socialista Pedro Sanchéz (PSOE). O socialista conquistou 179 votos dos deputados que formam o Legislativo contra 171. Mesmo com a reeleição do presidente de esquerda, a vitória de Núñez pela população espanhola mostrou, pela primeira vez desde a ditadura franquista, a força da direita.

Segundo o especialista em história sociopolítica e cultural da Universidade de Castela-Mancha, na Espanha, Juan Sisinio, as direitas conservadora e liberal empatam com a esquerda social-democrata nas urnas espanholas com 45% dos votos populares cada. Os 10% restantes são formados por dois nacionalismos, o basco e catalão. “Até 2017, tanto os nacionalistas bascos como os catalães concordaram, dependendo do momento, em apoiar governos de esquerda ou de direita”, diz Juan. Essa dinâmica, segundo ele, foi extinta com as propostas de independência dos partidos nacionalistas, o surgimento da VOX e o enfraquecimento do PSOE. 

Meses antes das eleições para o parlamento, em maio de 2023, durante as eleições municipais e estaduais da Espanha, o partido de Núñez se uniu ao VOX. Essa coalizão fez com que ambos os partidos conquistassem o governo de regiões antes de esquerda e espalhassem os ideais de direita pelo país. O PSOE governava 10 das 12 regiões autônomas da Espanha em questão; após as eleições de maio, apenas 4 se mantêm sob comando da esquerda. “Um novo ciclo está se aproximando, as alternâncias políticas têm ocorrido devido ao desgaste dos partidos”, explica o historiador da Universidade de Saragoça, na Espanha, Gonzalo Pasamar.

Sarti vê com preocupação o crescimento das forças extremistas na Espanha. “Há um erro de muitos analistas e forças políticas de acreditarem que estes movimentos não representam um perigo tão grande justamente por aceitarem as ‘regras do jogo democrático’, diferentemente dos movimentos fascistas clássicos. Contudo, essa análise decorre de um equívoco, a saber, o de confundir o movimento político fascista com o regime político fascista”, salienta o historiador. “Não é porque o Vox disputa e respeita resultados de eleições que ele deixa de ser fascista. Enquanto as circunstâncias apontarem que esta é a melhor forma de realizar a disputa política, eles respeitarão a democracia. Contudo, assim que puderem, que acumularem força e apoio suficiente, irão avançar para a transformação de regime.”

Em fevereiro de 2024, o deputado do VOX, José María Sánchez García, se referiu ao nazismo como uma “ideologia odiosa mas coerente”. Essa fala desencadeou uma série de revoltas e acusações de apologia ao nazismo.  Embora a Espanha tenha adotado uma política de guerra neutra durante a Segunda Guerra Mundial, os ideais nazistas circulavam pelo país sob o comando do ditador Francisco Franco. Isso se deu pelo apoio e financiamento de Hitler e Mussolini na Guerra Civil Espanhola. Eles utilizaram a Espanha como um teste para a Segunda Guerra e, assim, a ideologia nazifascista se implantou no país;  o governo de Franco passou a se caracterizar pela censura, autoritarismo, violência e perseguição aos opositores. Na opinião de Gonzalo, o franquismo não tem efeitos notáveis na vida política espanhola atualmente, mas o fato de a apologia ao nazismo ser crime não impediu que os casos de violência e ofensas com punho nazista continuassem até hoje.

Foto: Valencianisme PuntCom (copyleft)

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